Acadêmica e Cultural

A BUSCA - Kenedi Azevedo

10/03/2010 10:13

A Busca

*Kenedi Azevedo

 

O ano de dois mil e nove para muitos foi de grandes reconstruções; o ano em que a classe média tornou-se maioria no país e a pobreza, segundo o governo Lula, está perto de seu final. Isso para mim não é tão importante quanto às lembranças que me vêm à mente neste momento. São como fachos de luz que imergem em minha cabeça me fazendo recordar a infância que tivera e as conseqüências dessa parte pueril de minha vida.

            Acordei numa madrugada abafada, depois de um temporal que inundou as casas em Manaus, saí do meu quarto em direção ao de meus pais, caminhei lentamente como a onça quando espreita sua presa, ouvi um ruído, olhei pelo orifício da porta e vi meus pais num vai e vem harmonioso, lento, envolvidos em um lençol. Imagine, uma criança de cinco anos, o que passou pela minha cabeça. Eu fazia essa caminhada toda noite, até meu sétimo aniversário. Nesse espaço de tempo, em uma das madrugadas, me senti envolvida com aquela situação. Um arrepio no corpo, uma sensação estranha me invadia, parece que seus corpos faziam parte do meu, não dá para esquecer, não tem como esquecer. Voltei ao meu quarto me enrolei em meu lençol e fiz os mesmos movimentos de meus pais. Talvez não sentisse o mesmo que eles, mas fiquei profundamente triste após aquele momento. Depois desse dia continuamente me via em minha cama enlouquecida, solitária aprendendo a me tocar. Agarrei-me a mim e comecei a acariciar-me, passei a mão pelo meu corpo e levei até minhas partes, eu me fiz ter um prazer que não tivera então. Nesse dia não consegui levantar-me, fiquei a olhar para mim admirando meu corpo. Fiz isso até minha mocidade.

            Todos sabem que ao atingir certa idade as pessoas, pelo instinto, começam procurar o outro, é o que minha mãe chamou de namoro. Para mim não passava de uma perda de tempo ficar conversando com meninos que não tinham miolos, que só falavam em futebol e andavam em matilhas como cães a procura de uma cadela no cio. Preferia a solidão a esses animais. Um dia minha mãe me falou que estava farta de me ver em casa trancada em meu quarto; que deveria passear, ir ao cinema, ao shopping, coisas que as meninas da minha idade faziam. Não ligava para o que ela falava e nem a entendia, pois passava o dia com raiva, falando alto, mas quando chegava à noite vestia uma roupa bonita, se perfumava toda para dormir e ria a toa. Numa manhã de domingo ela chegou à nossa casa com um rapaz desconhecido, para mim. Essa recordação parece se distanciar de minha mente como uma câmera lenta. Calma. Está voltando, mas vem com tanta intensidade que parece uma explosão de pensamento. Onde parei? Ah, obrigada. Minha mãe me apresentou o rapaz dizendo que seria meu marido. Pensei que ela estava brincando. Enganei-me. Um mês depois de sermos apresentados viríamos a nos casar. Tentei pensar no lado bom dessa história, já que teria um homem comigo, dormindo ao meu lado e fazendo tudo que meus pais faziam juntos e eu sozinha. Compramos uma casinha e fomos morar sozinhos em um dos bairros pobres e distantes de Manaus. A casa não era em estilo colonial como de meus pais, nem tinha os móveis antigos contrastando com os novos. Era um barraco simples. Eu tinha quatorze anos e ele, trinta. Contarei tudo que aconteceu na minha primeira experiência com aquele homem.

            Eu estava ansiosa para que chegasse a noite. Fiz tudo que minha mãe, ao chegar da noite, fazia: tomei um belo banho com sabonete da melhor qualidade, vesti a melhor roupa e me perfumei com o perfume mais caro que tinha, como se mudasse alguma coisa. Quando meu querido marido chegou, eu estava já no quarto esperando-o envolta em meu lençol cor de rosa. Ele, como um louco, rasgou meu vestido e penetrou-me sem nenhum cuidado ou amor – Pensei: será que meu pai fazia o mesmo com minha mãe e por isso amanhecia aborrecida? – tentei me deixar levar pelo momento e fiz tudo para deixá-lo excitado, no entanto, não senti nada, meu corpo não reagiu a nada. Não sei se ele desconfiou de alguma coisa, pois quando ele estava no ápice do prazer eu fingi o orgasmo e continuei fingindo até hoje. Não completamos um ano de casados e logo quis me separar. Não agüentava ver a cara dele sobre mim como se fosse um bicho do mato. Um egoísta que nunca me perguntou se estava bem comigo. São todos iguais. Não tive remorso algum, pensei em mim somente em mim. Decidi morar com meus pais novamente. Algum tempo depois veio a surpresa. Eu estava grávida e desse dia em diante minha vida seria transformada em um inferno pela minha mãe que dizia. Você perdeu um bom marido, então criará seu filho, sozinha, para deixar de ser lesa. Isso não me incomodava, mas quando ela falava. Preferia que você não tivesse nascido. Minha mãe depois das noites com meu pai tiveram mais três filhos, homens, que eram os preferidos de minha mãe. Para eles ela fazia tudo, para mim, nada, apenas o desprezo e ódio. Bela mãe eu tenho.

            Depois de meu filho nascer decidi pesquisar sobre o que estava acontecendo comigo, vivia na internet, lia livros e questionava outras mulheres sobre o assunto. Elas reagiam estranhas às minhas perguntas, mas eu falava que era uma amiga que perguntava essas coisas. Diziam que não tinham uma descrição exata da sensação. Já outras, falavam em vertigem. Tinha até aquelas que descreviam como alívio. Não entendia como elas conseguiam viver com homem por muito tempo. Algumas diziam que era amor, o que para mim é apenas uma palavra sem valor. Decidi buscar no religioso, no entanto para mim Deus só existe na cabeça das pessoas; elas criaram um ser superior para confiar que só existe em suas mentes fracas, nada mais.

            Namorei alguns homens em busca daquela sensação que tive quando era criança, mas nenhum me deixou como na época que eu sozinha me enrolava em meu lençol e ia ao delírio, nunca mais consegui aquele efeito no meu corpo. Gostava do cheiro de macho que eles tinham, do corpo musculoso e quente, no entanto nada disso excitava a mim.

            Ontem á noite me acordei com um respirar forte, uns ais que vinham de longe. Estava meio inconsciente, não dava para saber se eu estava acordada ou delirando, só sei que quando dei por mim eu já estava na sala de casa. Minha mãe sentada no sofá assistia a um filme erótico. Passei por ela sem falar nada, no entanto ela me chamou a atenção. Vá dormir que isso não é filme para alguém da sua idade. Percebi que eu não tinha o fogo de minha mãe. Eu era frígida, sabe o que é isso? Meu corpo está morto para qualquer relação voluptuosa. Nessa mesma noite deitei na minha cama e levei a mão por entre as pernas e me vi úmida e após algumas penetrações manuais senti várias contrações vigorosas, espaçadas por uma fração de segundo. Acordei com um fio de luz entrando em meu quarto. Olhei para as minhas partes e estava seca, totalmente seca. Não acreditei, mas estava sonhando.

            Essa é a história que Adriana me contou numa noite antes de suicidar-se. Ela me pediu para escrever sobre sua vida, pois eu era o único amigo que tinha para abrir o coração. Nós namoramos durante dois anos e depois do namoro nos tornamos amigos. Tivemos uma amizade tão forte ao ponto de ela me contar todos seus segredos. Adriana sempre tentou me fazer feliz, queria que eu tivesse prazer em tudo, fazia todas as minhas vontades até que descobri que ela não tinha excitação quando estávamos em nossas horas de amor. O que me deixa intrigado é o seu suicídio. Algum tempo após a morte não consigo imaginar o porquê dessa decisão. A mãe de Adriana me contou que a filha sofria de alucinações, todas as noites a menina saía a vagar pela casa. Na noite do ocorrido sua filha estava enrolada em um lençol branco.   

           

 

 

           

           

 

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