Acadêmica e Cultural

Omnibus

07/04/2010 09:40

Dos seis ônibus que apanho por dia, pelo menos dois deles me ensinam mais do que todo o restante da vida que já vivi. 

Vago por cada passageiro, vendo olhares, movimentos, suores, pensamentos, expressões.

O velho mal conseguia se equilibrar (e nenhum desgraçado pra ceder lugar), o bando de meninos pendurava-se na mãe, que carrega mil sacolas... A cobradora dormia, suada, enquanto o ônibus chacoalhava horrendamente.
Lá pelas tantas uma doida pelada sentou ao meu lado e me disse que eu não sabia de nada. Ela me olhava com fúria, mas ria e dizia que eu não sabia.

Enquanto eu ouvia o garoto das balas pra tirar o “RAM RAM RAM” da garganta, se desculpando, mas “aquele era o seu trabalho”; um cara cabeludo ouvia um diabo de um rock ensurdecedor no banco da frente. Ele não ouvia mais nada, só olhava pela janela e sentia o vento... Mal estava ali. (Talvez o diabo da música fosse boa).
Mas quase ninguém estava ali de fato. Cada corpo transportava a mente pra outro lugar ou situação. E eu, na ocasião, lembrava de uma aula de latim na qual havíamos falado nessa palavra: omnibus (do latim= “para todos”). Cada pessoa ali representava o mundo. E por um instante, eu me apaixonei pelo ônibus. Tem graça!? Aquele maldito ônibus lotado e quente. Mas ele era de certa forma, um lugar democrático.

Quando eu finalmente consegui dar lugar ao velho negro fedorento, a doida levantou e o chamou de preto desgraçado! Olhou pra mim novamente com raiva e desceu do ônibus praguejando. Eu não me incomodava com ela. Mas todo mundo ficou aliviado, estavam com medo, e as crianças olhavam com os olhinhos arregalados. O velho sentou emburrado e não agradeceu. Por um momento pensei, realmente era um velho desgraçado e ingrato, mas ainda assim, isso não o fazia indigno de sentar. “Sente aqui, senhor”. O garoto recolhia suas jujubas. E eu me indignava com o velho mal-educado. Ele iria descer na próxima parada.

Na escada, ainda emburrado, me deu a jujuba que comprou e disse que Deus me abençoasse. Só depois disso deu um sorriso breve e desceu. Na hora eu me lembrei do que havia pensado dele, e nem deu tempo de reagir me sentindo mesquinha ou qualquer coisa que o valha. Teve um efeito muito maior.
A doida sabia das coisas! Eu realmente não sabia de nada.

 

*Renata Targino é acadêmica do curso de Letras da UFAM e a mais nova Cronista do site,nas horras vegas é estrela da MPB e MPA.

Possui um blog chamado Serenas Firmezas e quem quiser conferir seu trabalho além do site, basta acessar:renatatargino.blogspot.com/

 

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